Quando ela era princesa – uma homenagem à rainha Elizabeth II

Antes de se tornar a rainha mais longeva da história do Reino Unido, Elizabeth era uma princesa determinada e apaixonada por cavalos.

Redação | 8 de Setembro de 2022 às 18:00

Lisa Sheridan/Getty Images -

Faleceu nesta quinta (8), aos 96 anos, a rainha Elizabeth II. Atualmente ela estava hospedada no Castelo de Balmoral, residência oficial onde passava as férias de verão e um de seus locais favoritos, acompanhada pelos filhos e pelo neto William, além de supervisionada de perto por uma equipe médica. Com a morte da mãe, agora o Príncipe de Gales se torna – aos 73 anos – rei Charles III, o mais velho monarca a assumir um reinado.

Como era vista em 1945 a mulher que se tornaria a rainha Elizabeth II

Em 2022, o povo da Commonwealth comemorou o Jubileu de Platina da soberana pelos 70 anos de presença no trono (assumiu em 1952, com 25 anos). Foi o reinado mais longo de todos os monarcas britânicos da história; em abril, a rainha fez 96 anos. Esta reportagem foi escrita em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, e dois anos antes que Elizabeth se casasse com o príncipe Philip.

Algum dia a princesa Elizabeth Alexandra Mary Windsor reivindicará a lealdade de 489 milhões de habitantes do mundo quando assumir seu título completo: Elizabeth II, pela Graça de Deus, da Grã-Bretanha, Irlanda e dos Domínios Britânicos de Além-mar, Rainha, Defensora da Fé e Imperatriz da Índia. Recentemente, ela viu sua ilha coroada passar pelo torvelinho da mudança política súbita quando Winston Churchill perdeu a eleição de julho, dois meses depois de declarar o Dia da Vitória. Seu único comentário registrado quando soube que o bom amigo tinha sido soterrado por uma avalanche de votos esquerdistas foi: “Que amolação!”

Isso não é dizer que os eventos do dia tenham passado em branco para Elizabeth. Ela foi educada para pensar muito e seriamente, mas dizer bem pouco.

Com 19 anos, já foi meticulosamente treinada e tem plena consciência dos deveres, da dignidade e das limitações do trono – principalmente das limitações. Os britânicos removeram com tanta diligência, desde quatro séculos atrás, os poderes investidos na Coroa – quando a rainha Elizabeth I disse a um ministro excessivamente presunçoso: “Aceitarei aqui apenas uma senhora e nenhum senhor” – que não restam muitos. O que sobra é o poder de criar nobres, o veto nunca usado como líder do Privy Council e a honra bastante duvidosa de nomear um primeiro-ministro já escolhido pelo eleitorado britânico.

Atualmente, como herdeira presuntiva (enquanto o pai viver, presume-se que ele pode ter um herdeiro), a princesa Elizabeth não tem nenhum poder, nenhum dever real de Estado e nenhuma função constitucional. Quando se tornar rainha, sua contribuição mais vital será a de símbolo de continuidade.

Os governos podem cair, os partidos podem se dissolver, mas a Coroa é eterna. Os britânicos têm um prazer inenarrável com esse conhecimento bastante seguro. A Coroa continua a ser uma das poucas despesas que os britânicos pagam sem reclamar.

Até agora, Elizabeth deu todos os sinais de estar à altura da previsão feita recentemente por um dos estadistas mais antigos da Grã-Bretanha: “Ela tem inteligência, personalidade e encanto. Será uma boa rainha. Pode até ser uma grande rainha.” Boa ou grande, será uma rainha atraente.

Com altura de manequim (1,66 m), Elizabeth herdou dos antecessores hanoverianos a figura ampla, a adorável pele rosa e creme, dentes bons e brancos e uma compleição robusta. Infelizmente, não é fotogênica, porque seu principal atrativo é a cor. O porte régio lembra aos antigos sua avó, a rainha Mary.

Menos despreocupada do que Margaret Rose, a atraente irmã de 15 anos cuja imitação soberba dos dignitários visitantes mais de uma vez provocou gargalhadas à mesa de jantar da realeza, a princesa Elizabeth já mostrou traços de que pensa pela própria cabeça. Um ano atrás, quando, como os futuros súditos, chegou à idade do serviço nacional, o rei determinou, depois de longas deliberações com os assessores, que seu treinamento de princesa era mais importante do que os problemas crescentes de efetivo do país e que “Betts” não deveria entrar em nenhum dos corpos femininos auxiliares (o chamado Serviço Territorial Auxiliar ou ATS). Mas Betts não pensava assim, e o Palácio não tardou a anunciar, impassível, que o rei “tinha o prazer de conceder o posto honorário de segundo subalterno do ATS à Sua Alteza Real, a princesa Elizabeth”.

Elizabeth completou o curso de motorista dois dias antes da data prevista, depois de frequentar as aulas e sujar as mãos de graxa desmontando motores. A maioria das alunas que terminam esse curso de direção do ATS vai a Londres ganhar experiência. Foi decidido que Elizabeth não o faria, pois o risco de um acidente envolvendo a herdeira presuntiva seria grande demais. Mas, enquanto as rodas dentadas do governo giravam com essa decisão importantíssima, Elizabeth levou um veículo camuflado do Exército do campo até Londres. Ela chegou ao palácio depois de dar duas voltas completas em Piccadilly Circus, na hora do rush, “para encontrar o máximo de tráfego possível”.

Quando embarca numa iniciativa, a princesa é completamente dominada por ela. Assim, enquanto estava na escola de direção, a conversa à mesa de jantar da realeza se concentrava em válvulas e desempenho do motor. Agora, o principal tema das conversas, na medida em que Elizabeth possa guiá-las, são os cavalos. Ela espera ter seu próprio estábulo daqui a cerca de um ano e correr contra o pai.

Nos bailes das residências particulares de Mayfair, aos quais Elizabeth comparece com frequência acompanhada por uma solitária dama de companhia – e dos quais dizem que volta às três da madrugada –, ela dança com muitos rapazes galantes e não favorece nenhum em particular. Mas o nome de vários jovens nobres volta constantemente. O belo e louro lorde Wyfold, de 29 anos, o jovem conde de Euston ou o bem-apessoado duque de Rutland são os três mais comuns. Elizabeth está obrigada, pela determinação da Lei de Sucessão Real, a só se casar com o consentimento do pai no conselho e a não se casar fora da fé protestante. Se e quando ela se casar, o marido, com sua ascensão ao trono, não será rei, mas príncipe consorte, como Albert de Saxe-Cobourg, marido da rainha Vitória. O número de pretendentes que gostariam desse papel subordinado é problemático.

(Imagens: Topical Press Agency e Tim Graha/Getty Images)

A primeira viagem oficial pública de Elizabeth depois que o pai se tornou rei foi ao País de Gales. Em vez de aparecer no ambiente magnífico da corte noturna no palácio, a princesa fez seu début no brilho alaranjado das fornalhas de uma fábrica galesa de folhas de flandres. Desde então, ela apareceu muitas vezes com a família e sozinha; deu duas entrevistas na rádio e fez uma dúzia de discursos.

Seu engajamento mais importante até agora foi o batismo do maior e mais novo encouraçado da Grã-Bretanha, o H.M.S. Vanguard. Embora fosse um dia frio e nublado e ela confessasse a um oficial próximo “estou nervosa demais para sentir frio”, a princesa cumpriu a cerimônia sem qualquer falha. Só mais tarde mostrou que é mais mulher do que princesa. Ela recebeu de presente um belo broche de brilhantes e, enquanto o presidente fazia um longo discurso de boas-vindas, ficou sentada em silêncio, revirando várias vezes nas mãos o broche em formato da Rosa de Tudor, admirando-o com a máxima atenção.

O treinamento de Elizabeth foi árduo. Ao que parece, a “vovó Inglaterra” – a rainha Mary – teve mão firme com a jovem Elizabeth e recebeu em troca muito mais respeito da pequena Betts do que dos outros ne-tos. Os dois meninos Lascelles, Gerald e George, quando bem pequenos, tinham o hábito assustador de entrar correndo na sala e atacar os tornozelos da rainha Mary. Ela foi muitas vezes forçada a montar uma defesa corajosa com seu famoso guarda-sol. Felizmente, Elizabeth foi menos travessa.

A rainha Mary ensinou à menina a arte de conversar com inteligência com os vários visitantes da corte, e a jovem Elizabeth logo aprendeu a lição mais difícil – mostrar que aprecia a conversa, por mais sem graça que seja. Desse modo, ela pôde conhecer bem ou ter curiosidade sobre muitos temas que a avó apresentou à pequena Elizabeth no Victoria and Albert Museum, na Casa da Moeda Real, no Banco da Inglaterra, no museu de ciências de South Kensington, na Torre de Londres, na Abadia de Westminster e na National Gallery.

Desde os 6 anos, a educação formal de Elizabeth foi supervisionada por Marion Crawford, uma escocesa jovem e capacitada – “Crawfie”, para todo mundo na família real. Se a jovem Betts achasse mais fácil, como realmente achava, absorver história deitada de bruços no chão do quarto de Crawfie, esta não fazia objeção. Com 12 anos, Elizabeth demonstrou aptidão marcante para história e línguas e um desagrado sublime pela matemática. Nesse momento, sua educação se tornou uma questão que exigiu a consulta ao Gabinete.

A mãe de Elizabeth queria que a filha fosse para uma escola feminina onde pudesse conhecer mais contemporâneas, mas foi difícil escolher a escola e o currículo especializado necessário para uma pessoa da família real; ficou decidido que ela teria uma equipe de tutores, como a rainha Vitória. Sua formação histórica inclui o estudo das mudanças constitucionais desde a época saxã até o presente, além da história agrária e agrícola britânica.

Ela também é versada em história americana e fala francês fluentemente. Às “realizações”, como se dizia na época vitoriana – ela toca piano e canta com voz agradável –, Elizabeth acrescentou artes do século 20. Ela nada, dirige, gosta de música dançante americana, tem “a mão boa e o belo porte” de uma rematada cavaleira e boa pontaria.

Quando bem pequena, perguntaram a Elizabeth o que ela queria ser quando crescesse. Sem hesitar um instante, ela respondeu: “Quero ser um cavalo.” O tempo serviu para modificar essa ambição. Se existe alguém que realmente gostaria de ter a vida antisséptica e bastante vazia de uma rainha moderna, talvez seja tema de dúvidas. Mas Elizabeth cumprirá com dignidade esse dever.

Sendo assim, sua ambição é ser uma boa rainha. Se, como a Elizabeth anterior, ela refletir e incentivar o espírito contemporâneo de seu povo, poderá ocupar na história uma posição de similar importância. A primeira Elizabeth construiu o Império Britânico. A segunda, por meios mais gentis, poderá mantê-lo unido.

Texto condensado das páginas da revista Life. Publicado na Seleções do Reader’s Digest em fevereiro de 1946 como “A futura Elizabeth da Inglaterra”.