Marcas de perfumes de luxo são acusadas de trabalho infantil; entenda o caso

Investigação da BBC acusa algumas marcas de luxo de trabalho infantil, ainda que a maioria aponte zero tolerância com este tipo de conduta.

Luana Viard | 5 de Junho de 2024 às 13:40

O jasmim utilizado por forcenedores de grandes marcas foram coletados por menores de idade explorados. - Wirestock / istock

Uma investigação realizada pela BBC sobre as cadeias de produção e fornecimento de perfumes revelou que o jasmim utilizado pelos fornecedores das marcas Lancôme e Aerin Beauty foi colhido por crianças.

Todas as marcas de perfumes de luxo declaram que não toleram o trabalho infantil. A L'Oréal, proprietária da Lancôme, garantiu seu compromisso com o respeito aos direitos humanos. A Estée Lauder, dona da Aerin Beauty, afirmou que entrou em contato com seus fornecedores.

A origem do Jasmim utilizado na produção de perfumes de luxo

O jasmim utilizado nos perfumes Idôle L'Intense da Lancôme, e Ikat Jasmine e Limone Di Sicilia da Aerin Beauty, é proveniente do Egito, que responde por aproximadamente metade da produção mundial de flores de jasmim, um componente essencial para os perfumes.

Fontes do setor informaram à BBC que as poucas empresas proprietárias de várias marcas de luxo estão diminuindo seus orçamentos, resultando em pagamentos muito baixos para a mão de obra envolvida nos processos. Os colhedores de jasmim no Egito alegam que essa situação os obriga a incluir seus filhos no trabalho.

Como os sistemas de auditoria não captam este problema?

A BBC também descobriu que os sistemas de auditoria usados pelas indústrias de perfume para verificar suas cadeias de fornecimento possuem falhas significativas.

Tomoya Obokata, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para formas de escravidão contemporânea, expressou preocupação com as evidências obtidas pela BBC, que incluem filmagens ocultas em campos de jasmim no Egito durante a última estação de colheita.

"No papel, eles [a indústria] prometem tantas coisas boas, como transparência na cadeia de fornecimento e a luta contra o trabalho infantil. Olhando para esta filmagem, na verdade, [vemos que] eles não estão fazendo aquilo que prometeram", disse Obokata.

Relatos de moradores locais reforçam as acusações

Heba vive em uma aldeia no distrito de Gharbia, no coração da região produtora de jasmim no Egito. Ela desperta sua família às 3h da manhã para começar a colher as flores, antes que o calor do sol as estrague.

Heba relata que precisa da ajuda de seus quatro filhos, que têm entre 5 e 15 anos. Como a maioria dos colhedores de jasmim no Egito, ela é uma "colhedora independente" e trabalha em uma pequena fazenda. Quanto mais ela e seus filhos colhem, mais eles ganham.

Na noite das gravações, Heba e seus filhos conseguiram colher 1,5 kg de flores de jasmim. Após destinar um terço dos seus ganhos ao dono da terra, ela ficou com aproximadamente US$ 1,50 (cerca de R$ 7,75) por aquela noite de trabalho.

Esse valor tem ainda menos poder de compra atualmente, devido à inflação recorde no Egito, deixando muitos colhedores frequentemente abaixo da linha da pobreza.

Problemas de saúde em criança por conta da colheita de jasmim

Basmalla, a filha de 10 anos de Heba, foi diagnosticada com uma séria alergia ocular. Em uma consulta médica, o médico alertou que a visão da menina será comprometida se ela continuar a colher jasmim sem tratar de forma eficaz essa inflamação.

Para onde o jasmim vai após a colheita?

Após ser colhido e pesado, o jasmim é levado para pontos de coleta e, em seguida, para uma das várias fábricas locais que extraem o óleo das flores.

As três principais fábricas são A. Fakhry and Co., Hashem Brothers e Machalico. Todos os anos, são essas fábricas que estabelecem o preço do jasmim colhido por pessoas como Heba.

Quantas crianças estão envolvidas no processo de colheita de jasmim?

É desafiador precisar o número exato de crianças entre as 30 mil pessoas ligadas à indústria do jasmim no Egito. Contudo, no verão de 2023, a BBC realizou filmagens na região e entrevistou diversos residentes que relataram que o baixo valor do jasmim os forçava a envolver seus filhos no trabalho.

No entanto, de acordo com o perfumista independente Christophe Laudamiel e várias outras fontes do setor, são as empresas de perfume situadas acima delas, como a L'Oréal e a Estée Lauder, que possuem total controle e poder.

Identificadas como "mestras", essas empresas estabelecem as diretrizes e um orçamento bastante limitado para as casas de perfumaria, de acordo com ele.

"O interesse dos mestres é ter o óleo mais barato possível para colocar no frasco de fragrância" e depois vendê-lo ao preço mais alto possível, segundo Laudamiel.

"Existe uma grande desconexão entre a preciosidade de que eles falam no marketing e o que realmente é oferecido aos colhedores", acrescenta ele.

Relatórios importantes que foram coletados

As empresas de auditoria mais citadas pelos conglomerados e pelas casas de perfumaria em seus sites e em documentos para as Nações Unidas são a Sedex e a UEBT.

Embora seus relatórios de auditoria não sejam acessíveis ao público, participantes da equipe da BBC se apresentaram como compradores em busca de jasmim de origem ética e conseguimos que a fábrica A. Fakhry and Co. fornecesse os dois relatórios.

O relatório da UEBT, derivado de uma visita à fábrica no ano anterior, menciona uma indicação de problemas de direitos humanos, porém sem detalhamento específico.

Apesar disso, a empresa obteve a "verificação", permitindo que declare oferecer "óleo de jasmim de fontes responsáveis".

A UEBT explicou: "Uma empresa recebeu uma certificação de fontes responsáveis, sujeita a um plano de ação... válido até meados de 2024 e sujeito a cancelamento se... não for implementado."

Por outro lado, o relatório da Sedex concedeu à fábrica uma avaliação positiva, contudo, ficou evidente em sua redação que a visita foi agendada previamente e que apenas as instalações da fábrica foram auditadas, não as pequenas fazendas de onde provinha o jasmim.

A Sedex comunicou à BBC que é "totalmente contrária a todas as formas de abuso de direitos trabalhistas".

"Entretanto, não podemos e não devemos confiar exclusivamente em uma única ferramenta para identificar e corrigir todos os riscos ou impactos sobre os direitos humanos e o meio ambiente", declarou a empresa de auditoria.

Afinal, será que é preciso parar de consumir os produtos de luxo dessas marcas?

Ao retornar a Gharbia, Heba, a colhedora de jasmim, ficou surpresa quando lhe informamos o preço de venda do perfume no mercado internacional.

"Para as pessoas aqui, somos insignificantes", ela lamentou.

"Não me importo com o uso de perfume, mas gostaria que quem o usa percebesse a dor das crianças nele envolvidas. E que se manifestasse."

No entanto, a advogada Sarah Dadush argumenta que a responsabilidade não recai sobre o consumidor.

"Não é um problema que devemos resolver individualmente. Precisamos de leis. Precisamos de responsabilidade corporativa, e isso não pode ser apenas a cargo dos consumidores."

A BBC disponibilizou o vídeo que de origem a esta reportagem, assista abaixo.

 

As informações são da BBC.

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