A doença de Parkinson hoje: o que é preciso saber

Saiba tudo sobre como a medicina vê a Doença de Parkinson atualmente e quais são os avanços mais recentes das pesquisas.

Redação | 28 de Janeiro de 2019 às 21:00

sudok1/iStock -

A doença de Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais comum (a primeira é Alzheimer), ocorre em pelo menos 2% da população, com maior incidência entre os homens. De acordo com a Associação Europeia da Doença de Parkinson, estima-se que mais de 1,2 milhão de europeus tenham a doença. Com o envelhecimento da população, o número deve dobrar até 2030. Como não se trata de uma doença de notificação compulsória, os números no Brasil também são apenas estimativas.

Hoje se sabe que na doença de Parkinson acontece o comportamento desregrado da alfa-sinucleína, proteína que começa a se agrupar e multiplicar de maneira irregular, atrapalhando a transmissão dos sinais nervosos, principalmente na liberação de dopamina, neurotransmissor essencial para o movimento e a coordenação motora. Continue a ler e saiba tudo sobre a doença:

Causas

Ainda não se sabe o que faz a proteína enlouquecer nem por que a doença progride com velocidade diferente em cada pessoa. A ideia atual é que isso pode ser causado por algum agente infeccioso, como um vírus, bactéria ou príon (uma partícula de proteína), combinado a outros fatores.

Conforme a doença avança, as mãos podem tremer de forma incontrolável; até finalmente, a capacidade de abotoar a roupa, segurar uma caneta, pegar um garfo ou faca sem tremer se perde. Também pode surgir uma expressão pétrea no rosto, além de problemas de postura, equilíbrio e caminhada, com paradas súbitas no meio do trajeto.

Início das pesquisas

Em 1817, o cirurgião londrino James Parkinson foi o primeiro a descrever a doença, mas a causa e a cura ainda são desconhecidas. Desde a década de 1960 há medicamentos que aumentam o nível de dopamina e controlam alguns sintomas. Mas nenhuma terapia consegue interromper, retardar ou reparar a neurodegeneração.

No entanto, a boa notícia é que uma série de pesquisas vem esclarecendo as apresentações e o avanço da doença, que variam de pessoa para pessoa; o modo como os fatores de risco podem se unir para provocar a doença; e novos alvos para tratamento.

Além disso, como os indivíduos com a doença de Parkinson podem viver 40 anos ou mais, está se dando mais atenção à coordenação dos cuidados cotidianos e à personalização de abordagens para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. “Não existe uma abordagem única para a doença de Parkinson. Nossa abordagem tem de ser exclusiva para as necessidades individuais do paciente”, afirma o Dr. K. Ray Chaudhuri, chefe da pesquisa da doença de Parkinson no King’s College London. “Esse é o caminho do futuro.”

Se você ou alguém próximo tem Parkinson, eis 7 avanços animadores:

1 Novos genes, novos alvos de tratamento

Durante anos, acreditou-se que não havia vínculo genético na doença de Parkinson. No entanto, em 1997 descobriu-se, numa aldeola italiana, uma família com mais de 60 descendentes afetados pela doença. Isso levou os cientistas à descoberta do primeiro gene a ela relacionado; que codifica uma proteína específica, a alfa-sinucleína, que se acumula no cérebro e destrói as células que produzem a dopamina.

Hoje, já foram identificados mais de 20 genes ou variantes de genes. “Esses achados genéticos nos mostram onde procurar e o que consertar para interromper a doença”, explica Brian Fiske, vice-presidente de pesquisa da Fundação Michael J. Fox, criada pelo ator americano que teve o diagnóstico da doença aos 29 anos.

A pesquisa genética levou os cientistas a examinarem novos usos para medicamentos antigos. Como o Exenatida, para diabetes, que, num estudo de 2017, mostrou retardar o avanço da doença pela alteração da produção cerebral de energia.

Porém, ter algum dos genes não garante que a doença ataque o indivíduo. Ou seja, um ou mais fatores têm de ocorrer também.

Até agora, uma grande variedade de outros fatores possíveis foi identificada; como ferimentos na cabeça, envenenamento por monóxido de carbono e toxinas ambientais. Pessoas com diabetes tipo 2 correm risco mais alto. Períodos de estresse elevado também foram ligados à doença de Parkinson.

2 Começa no intestino ou no nariz?

Em 2003, o anatomista alemão Dr. Heiko Braak propôs seis estágios para o avanço da doença, começando no nariz ou no trato intestinal até o cérebro. “A hipótese de Braak criou linhas fascinantes de pesquisa”, explica o professor Bastiaan Bloem, neurologista da Universidade Radboud, nos Países Baixos.

A teoria do Dr. Braak liga os pontinhos de sintomas precoces enigmáticos. Por exemplo,  90% dos pacientes se queixam da perda do olfato até 10 anos antes do início de tremores. Um estudo recente encontrou alterações da anatomia da parte do cérebro responsável pelo olfato em pessoas com a doença. Em outras, a prisão de ventre é um problema inicial, hoje ligado a possíveis mudanças do microbioma intestinal.

Outro achado curioso é que 80% das pessoas com um transtorno de sono específico no qual encenam seus sonhos desenvolvem em 10 anos uma doença neurodegenerativa como a de Parkinson. Será que mudanças iniciais na parte do cérebro responsável pelo sono indicariam lesões? Esses sintomas não motores precoces podem criar alvos para exames de detecção e intervenções antes que haja danos sérios.

3 Busca de biomarcadores relevantes

Com 60 milhões de dólares da Fundação Michael J. Fox, um estudo está em andamento em 11 países para coletar sangue, tecidos e outros dados físicos e biológicos. Quase 1.000 indivíduos com e sem a doença de Parkinson se apresentaram para participar.

Chamado de Iniciativa de Marcadores da Progressão do Parkinson (PPMI), o estudo começou em 2010 e acompanha os dados no decorrer do tempo para ver se algum biomarcador determina o ritmo de avanço da doença. Caso o faça, talvez seja possível diagnosticar a doença ou intervir com novas terapias mais cedo.

Os Países Baixos têm o Projeto de Parkinson Personalizado, financiado pelo governo holandês e a antiga Google Life Sciences (hoje Verily). O estudo acompanha 650 pessoas com a doença durante dois anos, recolhendo material biológico e realizando modernos exames de neuroimagem.

O projeto recolherá até o microbioma dos participantes, a mistura de bactérias intestinais das fezes. Cada indivíduo também usará um relógio especial que registra movimentos, tremores, exercícios, ritmo cardíaco e outros indicadores. É o primeiro estudo com sensores para vestir e acompanhar e medir os sintomas da doença de Parkinson. “A meta é construir perfis individuais e detalhados para personalizar o tratamento”, disse Bloem.

Biomarcadores confiáveis são essenciais para as pesquisas promissoras sobre vacinas em andamento na Europa, observa a Dra. Alexandra Kutzelnigg, chefe de desenvolvimento clínico da AFFiRiS, empresa de biotecnologia de Viena, que testa duas formulações de vacina. Os biomarcadores, além de determinar se as vacinas interrompem a progressão, contribuirão para a meta suprema: uma vacina que previna completamente a doença de Parkinson.

4 Auxílios tecnológicos para uma vida melhor

Em junho de 2016, a artista gráfica Emma Lawton ganhou um presente especial: um protótipo de relógio de pulso que emite uma vibração que impede o tremor a ponto de ela voltar a escrever e desenhar. “É muito empoderador”, disse ela, que trabalhou com Haiyan Zhang, diretora de Inovação da Microsoft Research Cambridge, no Reino Unido, para desenvolver e testar a invenção, agora experimentada por outros doentes.

Alguns aparelhos do gênero são as luvas giroscópicas, que reduzem o impacto dos tremores; talheres estabilizadores e copos antiderramamento, que facilitam o ato de se alimentar; aplicativos para celular que incentivam exercícios domésticos, ensinam terapia fonoaudiológica e discam números; e fones de ouvido estimuladores, que emitem música ou sons rítmicos que melhoram a capacidade de andar.

Também há calçados que emitem sinais de luz a laser para promover um andar mais suave, menos propenso a quedas. A doença de Parkinson destrói as funções internas automáticas de movimento do cérebro. Mas, segundo Bloem, “quando olham listras no chão ou escutam batidas rítmicas, os pacientes andam melhor. São as dicas externas”.

Estão sendo desenvolvidos sensores para acompanhar os sintomas e avisar os indivíduos quando repousar, elevar a medicação ou diminuir as atividades. “A doença de Parkinson varia muito, não só de uma pessoa para outra como entre os dias bons e ruins. Aparelhos capazes de registrar e perceber padrões e depois prever padrões futuros serão muito úteis”, diz Emma, hoje estrategista de aparelhos da Parkinson’s U.K.

5 Alimentação e exercícios

Os sintomas de Parkinson respondem aos exercícios. “O exercício funciona como um medicamento, pois estimula e aumenta o nível de dopamina, reabastecendo com ela o cérebro”, diz Bloem, que observa que esse estímulo dura muito mais do que o exercício em si. Com sua equipe, Bloem realizou estudos sobre exercícios e, recentemente, desenvolveu  um jogo que aumenta a motivação para se exercitar.

A alimentação mais saudável também parece mitigar os sintomas de Parkinson, mas cada paciente tem de descobrir o que é melhor para si.

6 Estimulação cerebral profunda (ECP)

Nos últimos 15 anos, a estimulação cerebral profunda (ECP) foi aceita como tratamento capaz de oferecer melhoras significativas dos sintomas de Parkinson e dos efeitos colaterais da medicação. “Em pacientes cuidadosamente selecionados, é um tratamento que permite redução dos sintomas e da incapacidade”, disse o Dr. Guenther Deuschl, neurologista de Kiel, na Alemanha.

O paciente ideal tem menos de 70 anos, mais tremores, períodos de “branco” e precisa de doses elevadas de medicação. Durante o procedimento, eletrodos são implantados em ambos os hemisférios do cérebro. Em seguida, os fios dos eletrodos passam sob a pele até um pequeno terminal a pilha chamado neuroestimulador, implantado perto da clavícula. Depois de instalado, o neuroestimulador é programado para atender às necessidades específicas de cada paciente. Pulsos elétricos constantes são enviados ao cérebro pelos eletrodos.

7 Novo modelo de tratamento

Embora as descobertas das pesquisas sejam empolgantes, o que faz mais diferença na vida cotidiana de quem tem a doença de Parkinson é o tratamento coordenado e de fácil acesso com profissionais de saúde com treinamento específico.

Em 2004, ao perceberem que esse tipo de tratamento estava em falta, Bloem e um colega, o fisioterapeuta Marten Munneke, criaram uma rede holandesa de profissionais de saúde multidisciplinares com especialização na doença de Parkinson.

Depois eles interligaram os profissionais numa plataforma na internet, para que pacientes pudessem encontrar os profissionais apropriados em sua região. Além disso, a interface permitiu aos portadores da doença acessar informações atualizadas e comunicar-se com os profissionais de saúde.

O modelo premiado da ParkinsonNet tem hoje 69 centros regionais no país, com mais de 3 mil profissionais de saúde. Estudos verificaram que o modelo reduz quedas e internações e aumenta a qualidade de vida segundo os próprios pacientes. O custo geral do tratamento é mais baixo nas regiões onde a ParkinsonNet opera.

Um programa derivado, a ParkinsonTV, faz pela internet uma transmissão mensal em que pacientes e especialistas discutem questões cotidianas da doença. Tanto a rede de profissionais quanto o programa são reproduzidos em outros locais, como Noruega e Estados Unidos. “A ParkinsonNet envolve os pacientes no próprio tratamento. Todos os profissionais são especializados, ou seja, você sempre acaba no lugar certo”, disse Martin van Lokven. “O paciente bem informado pode participar ativamente do próprio tratamento.”